por: Paulo Torino
Depois de duas temporadas na Mottin Racing, troquei de equipe e de categoria. No final de 1997, Evaldo Quadrado comprou o antigo Fórmula 2/Muffato - Chassis nº 005 com o qual Aroldo Bauermann correu o Sulamericano de F2 nos anos 80.
Quando cheguei na oficina ele me ofereceu o carro. Disse que me alugaria para correr no gaúcho de Fórmula, que a partir daquele ano teria uma nova categoria - Classe B, para monopostos mais antigos, uma boa ideia que aumentou o grid contra os Techspeed e Reynard que dominavam a categoria e agora formariam a classe A.
A estreia foi em Guaporé, fazendo a preliminar da Fórmula Truck. Venci das duas baterias da classe e fui para o primeiro pódio oficial da categoria B já causando um ‘mau estar’. Quando recebi o troféu, o primeiro que ganhava de 1º lugar, o simpático piloto-caminhoneiro, Moretti falou: - ‘Tinha que aparecer esse tal de Torino para estragar nosso brinquedo’ , e todos sorriram antes do banho da Champagne.
Para a segunda corrida a Fórmula já estava completamente diferente. Com a fibra pintada com as cores da Petrobrás ( tinha conseguido o apoio dos postos de Gasolina BR, de São Leopoldo ) para as 11 etapas daquele ano.
A preparação do carro estava nas mãos do experiente Zé Laênio, que trabalhou com Chico Feoli na Fórmula 2. Ele conhecia aqueles carros como poucos, e fazia um trabalho impecável antes de cada etapa. O chassis era todo desmontado, polido e lubrificado antes de cada prova. Até mesmo entre uma bateria e outra, havia detalhes que eram revisados e tudo era desmontado novamente. Resultado: das 11 corridas de 98, venci nove e fui finalmente campão Gaúcho, o primeiro que venceu na classe B da Fórmula Ford gaúcha, recém criada.
Os dois filhos do Zé também corriam. O mais velho, Luciano, corria no Marcas com LOGUS-VW e o mais novo (Junior) ainda estava no kart. Naquele final de ano, a família queria fazer a primeira 12 Horas com os dois irmãos e me convidaram para formar o trio no LOGUS, seria minha sétima 12 Horas, a primeira guiando um carro de tração dianteira.
Na sessão de treinos Livres, na quinta-feira antes da corrida, sentei pela primeira vez no carro. Dei duas voltas e voltei para os boxes com o coração na boca. Disse para o Zé que o carro não andava em linha reta, abanava a traseira em todas as curvas era quase incontrolável. Ele riu e disse: “Tá fazendo tudo certo, esse carro é assim”, garantiu e complementou – ‘nunca tira o pé do acelerador’.
O LOGUS tinha um motor VW 2000cc, pneus radiais e sem nenhum apoio aerodinâmico, como aerofólio ou asa dianteira. Era um carro leve e muito veloz. Então, eu logo percebi que não poderia pilota-lo como o Fusca, o Chevette e principalmente, a Fórmula, todos de tração traseira.
A adaptação teve que ser rápida, mas confesso que para andar próximo dos tempos que o Luciano fazia com muita facilidade era extremamente difícil. O carro virava 1:18 (alto), mas, nas 12 Horas deveríamos manter um ritmo entre 1:20 e 1:23 em toda a corrida.
O Luciano fez a largada e me entregou o carro um pouco antes das duas horas da madrugada. Antes da pilotar naquela noite, assisti a largada e toda a primeira hora de prova ao lado de Chico Feoli. O veterano piloto era convidado do Zé Laênio e estava no nosso box, prestigiando aquela festa em família.
No início do ano, poucos dias antes da minha primeira corrida de Fórmula em Guaporé, comentei com o amigo Miltão, que necessitava de um macacão novo para correr. Andávamos sentados em cima do tanque de combustível nas Fórmulas, e apesar de corrermos com álcool, eram extremamente perigosos. Meu macacão era de Kart e em caso de fogo, eu estaria em apuros. O Miltão então me disse: - “Deixa comigo, espera que vou te trazer um macacão do Chico Feoli, da época que ele corria na Fórmula 2”. Eu uma semana depois me entregou um SIMPSON azul de Nomex. Mandei bordar meu nome e passei a vesti-lo com muito orgulho nas corridas até a minha última prova em 2005.
O macacão do Feoli em 1998 e no protótipo TM1, última 12 Horas em 2005
Quando o Chico chegou em Tarumã contei essa história para ele. Incrédulo, olhou bem o macacão e depois de examinar um detalhe na manga me disse: – é, esse é mesmo o meu macacão. Daquele momento em diante ficamos amigos, e na hora da corrida eu não poderia decepcionar o grande piloto. Feoli ficou por ali, pegou um cronômetro e esperou até que eu andasse no carro.
Às duas da madrugada saltei para dentro do LOGUS e pilotei como nunca. Durante uma hora e meia – realizei todas as voltas no mesmo segundo, variando milésimos de tempo, entre uma volta e outra. Quando entreguei o carro novamente para o Luciano o Chico logo veio comentar: 'Teus tempos são todos iguais'...
Antes das quatro da manhã eu já estava de volta ao volante, o Feoli já não estava mais no autódromo. Era madrugada escura em Viamão e grande parte dos 37 carros que largaram, ainda estavam na prova. O LOGUS seguia potente e instável, mas a cada curva um sufoco, nunca consegui pilotar com perfeição um carro de tração dianteira, minha maior dificuldade era a falta de confiança nas curvas em alta velocidade. Não possuía a técnica da derrapagem controlada e aquele LOGUS exigia esse domínio, o professor Quadrado também pilotou o carro e sabe muito bem como era.
Pois foi por causa dessa deficiência que passei um grande susto. Durante a madrugada, na escuridão da noite, a única coisa que enxergamos é o reflexo da luz dos faróis dos carros adversários. Em uma determinada volta, percebi já no meio da reta a aproximação de dois carros muito rápidos, viam lado a lado, uns 100 metros atrás. Mantive a trajetória, fiz a tomada da Curva 1 e dobrei, trazendo o carro para o centro da curva. Naquele instante um clarão iluminou o interior do carro e percebi que um deles estava praticamente dentro do porta-malas do LOGUS, o outro me ultrapassava por fora, quase raspando na lataria da porta.
Para tentar evitar um choque, puxei o carro mais para dentro da curva, visando facilitar a ultrapassagem daquele que vinha atrás. O LOGUS subiu na lavadeira interna da curva, saltou sobre a saliência do asfalto e a partir dali tudo pareceu um filme em câmara lenta.
O carro passou por cima da lavadeira, saiu da pista. Na escuridão, senti que estava pilotando sobre um terreno completamente irregular e lembrei imediatamente das palavras do Zé – ‘nunca tira o pé’ e instintivamente apertei ainda mais no acelerador. Sem saber onde estava só percebi o perigo quando os faróis iluminaram o gigantesco barranco que fica atrás do lago da Curva 1, já em direção a Dois, pelo lado interno da curva. Saltando sobre o gramado o barranco de barro vermelho se aproximou e como num milagre a frente do carro virou para o sentido contrário retornando em alta velocidade para a Curva 2. Quando vi já estava novamente na pista junto com os demais competidores.
Ao meio-dia de domingo, festejei muito aquela vitória ao lado do Zé e dos irmãos Laênio. Foi a única 12 Horas que terminei a corrida guiando o carro para a bandeirada final.
Em 2020, nas comemorações do aniversário de 50 anos do Autódromo de Tarumã, a categoria Turismo Nacional BR correu pela primeira vez em Viamão. Na tarde de domingo, dia 29 de novembro, o piloto Francisco Paiva Jr. (RJ) escapou exatamente no mesmo lugar da Curva 1, e a sua lembrança, certamente, não é a mesma que tenho, daquela madrugada de 20 de dezembro 1998.
Fotos: reprodução Youtube
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