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Um tapete de borracha


por: Paulo Torino


No final de 1995 havia decidido buscar novos desafios no automobilismo. Depois de quase quatro anos correndo nos Fuscas, queria participar de numa equipe profissional, com um carro mais veloz. Fui na Mottin Racing, fiz uma proposta, fui aceito como piloto pagante e me juntei aos ases da época. Além de Luciano Mottin, o piloto e patrão, a equipe contava com nomes de peso do automobilismo regional e nacional: Evaldo Quadrado, João Sant´Anna, Adriano Baldo e Ciceri Junior, todos guiavam há alguns anos na ‘esquadrilha de Chevettes’ da Mottin, assombrando no Gaúcho de Marcas. Eram quatro carros ‘Frente de Tubarão’, todos pretos.


Em 96, o Campeonato seria dividido em duas classes. Gaúcho de Marcas e a Copa Chevette, correndo juntos, e era lá que eu queria competir. O Luciano me ofereceu o Chevette#15 Preto - do Evaldo Quadrado que tinha uma ‘Bandeira Quadriculada’ sobre o teto.

Evaldo Quadrado#15 liderando em Guaporé, seguido de Sant´Anna e Mottin


E aquela temporada não poderia ser melhor. Correndo em parceria com Rogério Donelli, levamos o vice-campeonato, perdido apenas por um ponto para o próprio Mottin, na Copa Chevette.

Em dezembro chegou a hora de correr minha quinta 12 Horas, desta vez com reais chances reais de vitória. O acerto com a equipe, me dava prioridade de pilotar o carro que seria dividido com o Luciano e outros dois pilotos pagantes, também se juntariam ao time nas 12 Horas.


“A vigésima primeira edição da história da 12 Horas de 96 marcou o início da era dos motores turbo na competição. Consagrado como vencedor nas provas realizadas nos dois anos anteriores, os protótipos Aldee ganhavam potência extra e se mostravam ainda mais veloz”, assim está escrito no primeiro parágrafo do livro das 12 HORAS que escrevi com o Paulo Lava, sobre aquela corrida.


Outra novidade naquele ano era a permissão de utilização dos pneus slick nos carros do Marcas e também nas 12 Horas. E quando chequei nos boxes o nosso Chevette#23 já estava equipado com quatro pneus novos. Era dia de classificação, noite de sexta-feira,13.

Carlos Giacomello


No meio da tarde já havia uma agitação fora do comum dentro do box. Luciano andava de um lado para o outro, incomodado com o chuvisqueiro que havia começado e que prometia continuar até o horário marcado para a sessão classificatória. É verdade que o Luciano nunca deu muita importância para uma boa colocação de seus carros no grid de largada das 12 Horas. Nas corridas de campeonato, ele sempre queria a pole, mas, ali, sua preocupação era o pleno de corrida, garantir o pleno funcionamento de todo o equipamento, principalmente, motor e pneus, até o meio dia de domingo.


Assim, com o carro ‘tinindo’, Luciano me chamou e disse que era para me preparar. Era a primeira vez que realizaria uma tomada de tempos nas 12 Horas, mas eu estava confiante e tinha o apoio dos irmãos Giacomello, que também se inscreveram no carro. Elton Giacomello, o irmão mais novo, nunca havia corrido uma 12 Horas. Carlos, o mais experiente, conhecia a pilotagem dos Chevette, mas também não tinha muita experiência com a corrida.


- ‘Dá uma volta, e retorna', me disse o ‘Mosca’. Liguei o Chevette e sai em disparada. O carro era um foguete e, com os quatro pneus slick novos, parecia grudado no chão, apesar do piso molhado. Quando voltei para os boxes, percebi que as sapatilhas estavam molhadas e os pés escorregavam sobre os pedais, lisos de metal. Olhei para o assoalho e vi uma grande possa d´água acumulada...


Chamei o ‘Foguinho’, nosso melhor mecânico, e pedi que colocasse um tapete de borracha no assoalho, para conter aquela água na hora da classificação. O assoalho do Chevette era todo furado, acho que aqueles buracos haviam sido feitos de propósito, para ‘aliviar’ o peso da carroceria, e, quando chovia, a água entrava e saia por todos os lados.


Desci do carro e imediatamente um tapete começou a ser colocado debaixo dos pedais de freio e embreagem.


....


Luz ver, classificação classificatória iniciada....


Voltei para a pista e após uma volta, já abria a segunda com o pé no assoalho. O motor do Chevette zunia e como sempre, subi a reta de Tarumã com o pé no fundo do acelerador. Lá na lavadeira da Curva 1, tirávamos ligeiramente o pé do acelerador e mergulhávamos em direção a Curva 2.


Quando ‘belisquei’ no freio, já no meio da curva, percebi que algo não estava bem. O ruído do motor me dizia que o carro continuava em aceleração máxima, fiz a UM numa velocidade muito superior do normal em Tarumã. O Chevette balançou e os meus olhos cresceram quando vi o conta-giros e a Curva Dois se aproximando. Fiz a tomada da mesma maneira e dobrei ainda brigando com o carro. Nessas alturas o meu pé direito já estava sobre o pedal do freio. Aplicava uma leve pressão, só para conter a fúria do Chevette, que prosseguia em direção da Curva Três. Era tudo tão rápido que eu nem conseguia raciocinar.


O cano de descarga daquele carro era cortado debaixo do banco do piloto, então sentíamos toda a força do motor, principalmente na desaceleração e redução de marchas, com as explosões do combustível debaixo do assoalho.


Pouco antes de terminar a tangência da Curva três, o Chevette vibrava e tremia, escorregando nas quatro rodas sobre a umidade do asfalto. Foi ali que percebi que não iria fazer a Curva do Laço. Olhei novamente para o conta-giros, o ponteiro já passava dos 8.500 giros, vi a placa dos 200 metros, e minha reação foi instintiva, levei a mão sobre o câmbio e engatei ‘ponto-morto’. O motor deu um grito e apagou. Lembro de ver o ponteiro do conta-giros dar a volta no relógio, antes do silêncio total. Parei uns cem metros antes da Curva do Laço, saindo pelo acostamento externo, já com o carro desligado. Soltei o cinto e sai atordoado caminhando em direção aos boxes, ainda sem saber o que havia acontecido - ‘o acelerador estava trancado’, disse quando cheguei, garantindo que não havia batido em nada.


O Luciano entrou nos boxes correndo, e quando eu repeti que havia colocado ‘ponto morto’ ele deu um chute na parede – ‘Porque não deligou a chave geral’ ... ‘Quebrou o motor! ’, - disse enraivecido.


Ficamos todos esperando o carro chegar com o resgate, e quando ele abriu a porta do Chevette ficou ainda mais furioso: – ‘ Quem colocou essa merda de tapete aqui’, jogando aquele pedaço de borracha para fora do carro.


O ‘Foguinho’ ficou branco e então entendemos o que havia acontecido. Como o tapete havia sido rebitado só no meio, as pontas estavam soltas e uma parte prendeu o pedal do acelerador. Quando tirei o pé, no final da reta, aquela ponta do tapete ficou sobre o acelerador, mantendo o motor em aceleração máxima. Fiz a UM, DOIS e curva TRÊS, literalmente flat.


Por sorte, nada quebrou, apenas entortou uma ‘vareta’ do comando de válvulas. O Luciano mandou tirar a do seu Chevette, que estava no estacionamento. Colocou, ajustou e nós vencemos a corrida na categoria Marcas. O carro terminou em 4º lugar, na classificação geral, após 477 voltas completadas. Na nossa frente só o Opala#4 do Darci Marini/Álvaro Broilo/Oswaldo Voges/Paulo Bertuol, o Tubarão#5 de Carlinhos Andrade/Paulo Bergamaschi/Renato Weiand e o ALDEE#12-Turbo, vencedor, com Vítor Hugo Riberio de Castro/Eduardo Freitas/Fernando Maciel.


Até hoje o Luciano fala que aquela foi a sua melhor vitória como piloto numa 12 Horas, depois de largar e revezar a pilotagem comigo, durante toda a noite.


Na segunda hora de corrida o carro foi entregue ao Elton, que sem experiência em Tarumã, deu apenas algumas voltas, até ser chamado de volta para os boxes, depois de registrar alguns tempos de volta ‘bem acima do normal’. (Meu irmão Roberto Muccillo, lembra disso até hoje! Assistindo a corria no Tala, - pensou – ‘puxa o Chevette do Pó quebrou! ’, ao ver o carro andando bem devagar, muito perto do barranco do Tala, em plena madrugada). O Carlos já havia dito que só andaria no amanhecer e, então, eu e o Luciano pilotamos até às oito da manhã de domingo.


Daquela corrida em diante, nunca mais esqueci da tal ‘chave geral’– ela fica bem atrás do volante, a centímetros da mão direita, mas naquele dia, naqueles poucos segundos, eu sequer lembrei que ela existia...


Em 1997, junto com o Luciano e o Evaldo Quadrado iríamos repetir a vitória, mas uma mangueira de água explodiu quando restavam 15 minutos para o final. O Quadrado ainda levou o carro para os boxes, mas o motor já havia quebrado....


Festa da vitória – Foguinho com o braço erguido, vibrando ao meu lado, usando minha balaclava na cabeça





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